Figueira Film Art distinguiu Manoel de Oliveira com Galardão Carreira
O Figueira Film Art 2015 entregou esta sexta-feira à noite, no Casino Figueira, o Galardão Carreira atribuído ao cineasta Manoel de Oliveira, nas mãos do seu neto, o actor Ricardo Trêpa. A distinção foi feita no âmbito de uma homenagem que incluiu uma tertúlia entre admiradores, amigos e colaboradores de Manoel de Oliveira e, ainda, um concerto do Coro dos Antigos Orfeonistas de Coimbra.
A sessão começou com a exibição de parte do documentário produzido por Manoel de Oliveira para a EDP e, depois, com a pequena peça «Cidadão do Mundo», que sintetiza a longa e multifacetada vida do cineasta.
Obra e vida abordadas, o longo aplauso a Manoel de Oliveira ecoou no Salão Caffé do Casino Figueira quando o realizador Luís Filipe Rocha – que apresentou no mesmo dia, no CAE, e em ante-estreia nacional, o seu mais recente filme, “Cinzento e Negro” – subiu ao palco para entregar o galardão Carreira do Figueira Film Art 2015 a Ricardo Trêpa, em representação do seu avô.
“Manoel de Oliveira teve uma longa vida e o privilégio de fazer o que sempre quis e o que, a par com a família, mais amou”, disse o neto do homenageado. “O meu avô passou por muito, nunca desistiu, revelou ser um homem audaz, de grande coragem e sem medo do desconhecido”, acrescentou. “”Apostou tudo no que sentia que era dele e queria partilhar através do cinema… e é o meu herói”, concluiu emocionado.
Estava dado o mote para a conversa entre Ricardo Trêpa; o vice-presidente e vereador da Cultura da Câmara Municipal da Figueira da Foz, António Tavares; o produtor do documentário da EDP, e amigo do cineasta, Silvério Canto Moniz; e o publicitário também envolvido neste último projecto de Manoel de Oliveira, Tomás Froes.
António Tavares usou da palavra para afirmar que “em boa hora o Figueira Film Art teve a ideia de fazer esta homenagem de carreira ao maior cineasta português de todos os tempos”, um homem que “pelos serviços prestados à cidade e ao concelho, nomeadamente prestigiando com a sua presença e com os seus filmes o extinto Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz”, deverá constar em breve da toponímia figueirense. Silvério Canto Moniz e Tomás Froes recordaram o prazer e o privilégio de trabalhar com Manoel de Oliveira, partilhando episódios passados nos bastidores daquele que foi o único trabalho com cariz publicitário que o realizador aceitou fazer. E explicaram porquê. “A ideia era fazer um conjunto de publicidades que tivesse como conceito «um século de energia», e naturalmente o nome de Manoel de Oliveira, ele próprio já com mais de cem anos de uma energia que todos lhe reconheciam, surgiu. Mas ninguém acreditou que ele aceitasse, até porque a publicidade e o cinema são, tradicionalmente, como irmãos que se dão mal”, brincou Silvério Canto Moniz. Mas, abordado Manoel de Oliveira, o homem que, muitos anos antes, fizera para o seu pai – fundador de uma das primeiras centrais hídricas nacionais, a do Ermal, e da fábrica de lâmpadas Hércules – intitulado Hulha Branca (1932), teve uma ideia – de génio, como era seu apanágio. “Aceitava fazer a campanha, se lhe dessem completa liberdade”, recordou o produtor. E assim foi, com o filme de 12 minutos a apresentar uma retrospectiva do último século de energia, explorando as três formas através das quais a EDP produz energia – hídrica, eólica e solar -, recuperando também imagens de Hulha Branca e contando, à melhor maneira de Oliveira, tido como o precursor do documentário ficcionado, a história de duas famílias, reais, movidas a energias muito especiais e humanas: a música e a dança. “O sucesso deste que foi o último trabalho de Manoel de Oliveira é fácil de aferir: não só esta é a campanha da EDP mais lembrada de sempre (o realizador acedeu a que se fizessem, do documentário, quatro cortes publicitários), como a EDP acabou por criar uma bolsa de estudo para futuros realizadores”, sublinhou Tomás Froes.
Ao longo da noite, falou-se também do presente e futuro do cinema português, com os convidados a concordarem que é essencial formar públicos, ainda que surgissem discordâncias sobre a forma de o fazer: apostando na oferta cultural ou ‘aligeirando’ o estilo, levando mais pessoas ao cinema em português através, por exemplo, de géneros como a comédia, acreditando que, a longo prazo, aumente a adesão do público ao cinema lusitano em todos os géneros.
Para isso, António Tavares considerou que são fundamentais “políticas culturais” que assentam na resistência e no reconhecimento de que os frutos, esses, só serão colhidos no futuro. “É o que fazemos, por exemplo, com a exibição de filmes de uma pequena produtora sem outra representação na Figueira da Foz, no CAE, às sextas-feiras”, ilustrou. “E custa 4€, ou seja, quase o mesmo que as pipocas noutros locais”, brincou. Mas é a sério que a autarquia quer levar a ligação da Figueira da Foz às artes da imagem. “O presidente da Câmara tem em cima da mesa uma proposta para instalar, naquele que será, muito em breve, o antigo quartel dos Bombeiros Municipais, um Centro de Estudos da Imagem, reunindo aí o Arquivo Fotográfico Municipal, o espólio cinematográfico que está ao cuidado da autarquia e até bandas sonoras de filmes, numa proposta que poderá assentar ainda em protocolos com a Universidade de Coimbra, que não tem nenhuma valência do género”, conclui.
Depois do cinema, a rainha da noite foi a música, com a banda sonora da cerimónia a cargo do Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, dirigido pelo maestro Virgílio Caseiro, com o maestro Rui Paulo Simões ao piano.